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  • eloafbrandao

Olhar pela janela

Morar em casa é legal. Ao menos foi o que eu sempre imaginei, principalmente pelo fato de que, em casas, os pais não tem respostas tão plausíveis para a pergunta: "podemos ter um cachorrinho?".


Mas morar em prédio também tem suas vantagens, como venho descobrindo.


Inicio esta crônica com um trecho de outra crônica: "É preciso de um pouquinho de turbulência para a gente acordar e sentir". Frase bonita, frase verdadeira, frase de Martha Medeiros - ninguém esperaria menos. Mas aqui citada em um momento que o mundo inteiro está dormindo.


Nos pegou de surpresa, esse tal de coronavírus. E agora, cá estamos nós, trancados em nossas próprias casas e apartamentos. Assistimos o mundo apenas pela TV, pelo celular, pelo computador... E nessas condições, muitas pessoas deixaram que a monotonia as engolisse, sem nada para "acordá-las". Pararam no tempo! Pra elas, 2020 só vai existir em noticiários.


Outras pessoas, foram capazes de ir além: "se a vida não nos chacoalha mais, porque nós mesmos não começamos a pular feito cabritos?". Sabe, eu admiro esse povo...


E ainda há um terceiro grupo de pessoas no qual, tenham percebido ou não, foram presenteadas com outra forma de vivenciar a realidade senão as telinhas: janelas.


Literalmente janelas, não é uma analogia pra nada não, galera!


Minha mãe tem um hábito que acabou passando pra mim nos últimos meses: ficar minutos à fio, debruçada sobre o parapeito, observando o movimento da rua (que surpreendentemente está bem movimentada mesmo!). Não que quem mora em casa não possa fazer isso, mas ver as coisas do alto é um privilégio que estes não tem. As pessoas pequeninhas, a rua inteirinha visível, as copas floridas das árvores, o horizonte logo ali...


É isso aí: alguns podem ter cachorro, outros, uma vista panorâmica sem igual!


A "turbulência" que Martha Medeiros se refere, acredito eu, não se trata de nada de outro mundo: talvez uma música, um esmalte novo, uma receita gostosa. Ou quem sabe, um tempo com sua mãe, um bom livro ou até uma descoberta sobre si mesmo.


Sei lá! Qualquer coisa inusitada que nos faça rir! Qualquer coisa que aconteça dentre a imprevisibilidade da vida que secretamente adoramos (e que agora parece tão distante). Pois quando entramos em contato com o mundo, de qualquer forma que seja, nos tornamos mais vivos e conscientes!


Então voltando a mim, mamãe e nossos hábitos estranhos, às vezes durante o entardecer ficamos olhando o povo lá em baixo, da janela do quarto dela. Ficamos inventando vidas para as pessoas que saem do supermercado e tentamos adivinhar o pensamento dos homens que trabalham no posto.


"Olha, aquele ali tá correndo... Deve ter que pegar o ônibus pra ir pra casa", comenta minha mãe. "Gente, aquela ali é igualzinha fulana", eu exclamo. Minha mãe completa: "Ela trabalha no açougue, acho. E aquele ali na moto deve ser o namorado dela, que veio buscá-la". "Gente, que pequenininho... essas perninhas nunca que vão conseguir acompanhar essa mãe apressada!", suspiro com preocupação.


Parece coisa de gente ociosa? Ah, pode ser!


Mas também é um jeito de expandir o que a gente vê, provocar nossa própria pequena turbulência. Porque, fala sério!, cansa ir do quarto pra sala, da sala pro banheiro, do banheiro pra cozinha e da cozinha pro quarto de novo! Olhar pela janela é sair, sem máscara nem nada, e dar alcance para a imaginação. E fugir, um tantinho que seja, da rotina chata que o covid impôs.


Já você? Vai pular feito carneiro, criança! Encontre sua forma, por mais esdrúxula que seja. Arrume umas suculentas pra regar, jogue pingue-pongue, aprenda japonês! A solução para a pergunta que ninguém ousa fazer, é continuar crescendo. Podemos, mesmo sem sair de casa (onde o que mais queremos é ficar dormindo), acordar e sentir.



Eloá Faria Brandão

13.08.2020




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