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A Rosa do Pequeno Príncipe

  • eloafbrandao
  • 21 de jan. de 2021
  • 7 min de leitura

Certo dia, eu germinara de uma semente trazida ninguém sabe de onde, em forma de um pequeno raminho, em um pequeno planeta. Ainda não estava pronta, mas já sabia que seria bela, miraculosa.


Abrigada em meu aposento verde, vestia-me lentamente, ajustava a posição de minhas pétalas uma a uma e escolhia minhas cores escarlates caprichosamente. Afinal, não queria sair amarrotada como as papoulas!


Hoje, vejo que estava sendo tola, mas na época eu estava determinada aparecer somente no total esplendor de minha beleza, e não cessei os preparativos de me embelezar até aquele fatídico nascer do Sol, dias depois. Lembro-me dele como se fosse ontem.


— Ah! — exclamei ao me deparar com o Pequeno Príncipe e seus grandes olhos atentos. Contente por ter um admirador, fingi um bocejo charmoso e continuei: —Acabei de acordar… Peço-lhe perdão… Ainda estou toda despenteada…


— Como você é bonita! — ele sorriu, fascinado. Senti-me envaidecida. Fora a primeira vez que conheci a sensação que causam os elogios. Isso foi meu maior presente… e minha ruína.


— Sou, não sou? — respondi docemente, consciente da minha perfeição e esplendor. — Eu nasci junto ao sol… — meu adorador fez uma expressão estranha, que não entendi muito bem. Mas depois, sorriu novamente, e percebi que ele estava se apaixonando por mim! — Acho que é hora do café da manhã, será que você poderia fazer a gentileza…?


O Pequeno Príncipe pegou o seu pequeno regador e serviu-me. Voltei minhas faces avermelhadas e jovens para os refrescantes pingos d'água e me saciei. Senti-me tão grata! Ele era tão atencioso! Estava sempre a concordar comigo e a satisfazer meus desejos, vontades e caprichos…


A sensação de ser cuidada e mimada com tanto esmero era adorável. Infelizente, não dei tanto valor à isso quanto deveria; isso adoentou nossa relação e amargurou o nosso amor.


Nós sempre ficávamos juntos e conversávamos; ele me contava como era o restante do planeta e como se esforçava para não deixar que nenhum baobá crescesse por lá. Porém, após algum tempo, comecei a desejar mais.


Por que meu príncipe preferia observar o pôr do sol à me observar? Por que ele nunca respondia às minhas perguntas? Por que eu tinha a terrível impressão de que seus cachos dourados eram mais sedosos que as minhas pétalas? Por que ele nunca desistia de um questionamento após fazê-lo? Era irritante! Por que ele fazia aquela expressão estranha para mim cada vez mais? Por que ele não me elogiava com tanta frequência quanto antes? Por que ele podia passear por todo o planeta enquanto eu precisava ficar parada e sozinha, enraizada ao chão?


Quanto mais me sentia incomodada, mais eu era arrogante.


— Os tigres podem vir com suas garras! — eu mostrava meus quatro espinhos. O Pequeno Príncipe tinha o hábito de me achar delicada demais, e eu insistia em mostrar que era muito valente! Embora não fosse, eu admito agora.


— Não existem tigres aqui no meu planeta. — ele rebateu. Eu detestava quando ele me rebatia e detestava mais ainda não conhecer tanto do mundo quanto ele. — E além disso, tigres não comem plantas.


— Eu não sou uma planta. — repliquei com sorriso suave e falso.


— Perdoe-me.


Agora sim. Prossegui em meus devaneios sem sentido que eu usava simplesmente para preencher o silêncio:


— Eu não temo nem um pouco tigres, mas tenho horror a correntes de ar. Você não teria um biombo? — o príncipe fez aquela expressão estranha. Ergui altivamente a cabeça e ordenei: — À noite, você me colocará dentro de uma redoma de vidro. Faz muito frio aqui onde você vive. As instalações não são boas. Lá de onde eu venho…


Me interrompi, constrangida por ser pega na mentira. Eu vim em forma de semente, nunca conheci nada! E ele sabia disso tão bem quanto eu. Tossi algumas vezes, tentando deixá-lo desconfortável ao invés de mim mesma me sentir assim.


— E o biombo…?


— Eu ia buscá-lo, mas você estava falando comigo!


Tossi outra vez, de modo afetado e soberbo. Um resfriado pode nos salvar de muitas situações!


Eu não queria agir daquela maneira, não mesmo!, mas não conhecia nenhuma outra forma… Estava em minha natureza imatura. Eu era uma linda flor, porém imodesta e arrogante, e não conseguia deixar de sê-lo! Foi por isso que meu Pequeno Príncipe decidiu partir.


Nós morávamos em um planeta pouco maior que uma casa (chamado asteróide B612), com 3 vulcões baixos (um deles inativo, mas nunca se sabe, certo?), lagartas, borboletas e algumas flores tão sem graça que não chegavam aos meus pés, além de nenhum baobá (o que deixava muito orgulhoso o meu amado).


Sim, eu já o amava, profunda e incorrigivelmente. Mas era jovem e tola demais para saber como amá-lo direito. Logo eu, que fingia saber tudo — quando na verdade, não sabia de nada!


E ele também não tinha muita ideia de como fazê-lo, o que só nos trouxe problemas.


No dia de sua partida, o Pequeno Príncipe deixou o planeta em perfeita ordem: limpou todos os vulcões e arrancou as últimas mudas de baobá, com certa melancolia. Também arrastou sua cadeira e assistiu ao pôr do sol uma última vez enquanto eu o seguia disfarçadamente com o olhar cabisbaixo.


Então, foi se despedir de mim. Regou minhas raízes e pegou minha redoma. Eu estava me sentindo tão triste e culpada!


— Adeus. — ele disse. Eu não queria responder. Virei-me para o outro lado, teimosa e relutante. Talvez, se eu não dissesse nada, ele não fosse! Mas o Pequeno Príncipe insistiu: — Adeus.


Ele ficou mais um instante ali, parado, ajoelhado ao meu lado, com lágrimas nos olhos… mas percebi que não esperaria para sempre. Tossi, engoli minhas lágrimas, e em um súbito lampejo de sensatez me dei conta de que…


— Eu tenho sido uma boba! — enfim admiti. Eu sentiria tanta falta dele! A saudade e o remorso me consumiriam todos os dias, e durante os ocasos eu me debulharia em lágrimas! Mas não poderia impedi-lo, de todo modo. — Peço-lhe perdão. Seja feliz.


O Pequeno Príncipe parecia surpreso. E não deveria? Eu jamais havia sido tão terna ou demonstrado qualquer arrependimento. Mas naquele momento, eu queria implorar para que ele ficasse, prometer que iria tentar mudar!


Não fiz isso. Tanto por causa dele quanto por causa daquele meu orgulho. Ao menos, me declarei com toda a sinceridade de meu coração narcisista:


— Sim, é verdade, eu te amo. Você nunca soube por culpa minha. Isso não tem nenhuma importância. Mas você foi tão bobo quanto eu. Procure ser feliz. Deixe para lá essa redoma. Não a quero mais. — Geralmente, eu não gostava muito de voltar atrás, mas naquele momento era necessário. Eu passara a odiar aquela redoma.


— Mas e o vento…?


— Eu não estou tão resfriada assim… — na verdade, jamais estive. — O ar fresco da noite vai me fazer bem. Sou uma flor.


— Mas e os bichos…?


Preciso aguentar duas ou três lagartas se quiser conhecer as borboletas. Parece que são tão belas. Senão, quem irá me visitar? Você estará longe. Quanto aos animais grandes, não temo nenhum deles. Tenho minhas garras. — mostrei meus quatro pequenos espinhos. Agora que a hipótese de eu precisar usá-los era real, eu estava sim, apavorada.


Mas não queria deixá-lo preocupado. Mesmo que eu não fosse mais ter sua proteção e zelo, iria me virar.


Meus olhos se encheram de lágrimas, vislumbrando um futuro triste e vazio. Eu não queria que ele me visse chorar, então um tanto hostil, falei:


— Não fique se demorando tanto assim, é cansativo.


E desse modo, com essas rudes palavras das quais eu me arrependeria amargamente no futuro, o Pequeno Príncipe foi embora. Como fui saber mais adiante, ele visitara inúmeros planetas vizinhos, e aprendera como não ser em cada um deles. O planeta do rei, o do homem vaidoso, o do bêbado, o do homem de negócios, o do geógrafo… Todos sem sentido, exceto o curioso planeta do acendedor de lampiões.


Então ele chegou a Terra, como me descreveu com entusiasmo. Era um planeta tão grande, que embora também não fizesse sentido em alguns aspectos, podia ser belo. Lá, ele fez algumas amizades, como a do aviador e da raposa.


Todos os que encontrou o deram alguma espécie de aprendizado. O Pequeno Príncipe descobriu, por exemplo, que eu sou “efêmera” — ameaçada de desaparecer logo. Algo que eu também já havia aprendido, infelizmente.


Descobriu também, o que significa “cativar”, e que “só se vê bem com o coração”. Ele me deixou muito orgulhosa quando contou tudo isso. Estes, foram os sentimentos que o tornaram preparado para voltar a me amar.


Logo depois, eu o contei sobre como foi ficar longe dele e sobre todas as coisas que também havia aprendido:


— Já estou velha e murcha. Minha beleza se foi e minhas pétalas despencam uma a uma. E ainda assim, você continua a me amar! E eu te amo, também. Oh, como sofri nos primeiros ocasos sem ti, meu príncipe… Mas então, fiz algumas amizades.


— Amizades? — os grandes olhos do meu amado cintilaram de curiosidade.


— Sim. Como a da Lagarta. No início, tive muito nojo dela, e mal pude acreditar quando ela se tornou uma borboleta tão bonita! “O mundo se transforma, assim como eu. O que hoje é menosprezado, amanhã é adorado. E o que hoje é mirabolantemente belo, amanhã estará murcho e velho”, ela disse poeticamente. Não foi uma ofensa, e sim um conselho. Ela continuou, sobrevoando minhas lágrimas: “Dessa forma, de que te importa as lagartas ao chão ou sua beleza passageira? Você é uma pequena flor, em um universo enorme. Não se pode mudar isso”.


— Ela é muito sensata. Gostaria de conhecê-la.


— Não é possível. — respondi entristecida. — Ela se foi. Mas eu também conheci a Florzinha! Ela tem apenas um adorno de flores azuis ao redor do miolo, e tive pena dela por ser tão simples… Começamos a conversar. A voz dela era tão bonita, seu coração tão bom e seus pensamentos tão encantadores! Nos tornamos amigas, e passei a admirá-la intensamente. Foi quando aprendi que, como você mesmo disse, “só se vê bem com o coração”. Mas ela também murchou e se foi. Você iria gostar dela.


— Ela te cativou. — constatou o Pequeno Príncipe, surpreso.


— Sim… E há mais um bom amigo que conheci. O Baobá.


— Como? Onde?!


— Era um pequeno ramo, aqui perto de mim. Era doce e educado, mas obstinado a continuar vivo, mesmo eu tendo explicado a ele o que aconteceria se ele crescesse demais. Mas então… eu o amei muito, e ele me amou. Amou também a Lagarta e a Florzinha, e cada um dos ocasos que aconteceram enquanto ele viveu. Percebeu que não queria fazer mal à nós. “Meu amor é maior que meu egoísmo”, explicou, e do modo mais altruísta e corajoso possível, se aninhou em meio ao solo mais uma vez.


O Pequeno Príncipe estava com lágrimas nos olhos. Sua Rosa estava morrendo, e finalmente, o amava com todo o seu coração.


— No fundo… — ele murmurou, a voz fraca — aprendemos a mesma coisa em nossas viagens.


E as últimas pétalas da Rosa lentamente pousaram no chão; ela morreu com tanta graciosidade quanto nasceu.



Eloá Faria Brandão

20.01.2021


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